Art. 1º CPC - Jurisdição

Olá meus queridos e minhas queridas estudantes das ciências jurídicas, hoje vamos tirar um dedinho de prosa acerca do Art. 1º de nosso código de processo civil (Lei 5.869/73). O Art. 1º está contido no Capítulo I, Da Jurisdição, que por sua vez está contido no Título I, Da Jurisdição e da Ação,  que por sua vez está condigo no Livro I intitulado Do processo de conhecimento


Art. 1º A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.

O referido Artigo inicial do CPC remete-nos à algumas considerações. Vamos logo direto ao ponto:

Jurisdição: Antes de qualquer coisa é necessário que você saiba o que é a jurisdição. Simplificadamente, jurisdição é uma função do Estado na qual o mesmo assume a responsabilidade de dirimir conflitos, ou seja, é a responsabilidade do Estado de acabar com os conflitos que nós levamos a ele através do processo. Logo, a Jurisdição é um poder estatal de impor sua decisão (porque nós queremos que isso aconteça! Estamos numa democracia e elegemos o Estado como detentor da última palavra) onde a atividade jurisdicional, isto é, o meio na qual ela ocorre é no processo e seus respectivos atos processuais.

Jurisdição Voluntária X Jurisdição Contenciosa 

Conforme você leu logo no comecinho desse post no Art. 1º CPC existem as expressões jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa. Pois bem, saiba que a diferença entre elas é bem simples e uma é totalmente diferente da outra, o que facilita a memorização:

Jurisdição contenciosa: É ela que simboliza o processo em si no imaginário das pessoas. Você quando imagina um processo pensa logo no barraco, na confusão, as partes querendo cada uma coisa diferente e por ai vai, não é mesmo? Então você está mentalizando perfeitamente a jurisdição contenciosa. Aqui há um conflito, uma contenção que recebe o nome jurídico de lide. Simplificadamente é nada mais nada menos que dizer que o Autor do processo e o réu quer outra totalmente diferente. Como exemplo imagine uma ação de despejo por falta de pagamento de aluguel: O dono da casa quer a casa pra ele alugar e o locatário quer ficar lá porque não tem pra onde ir, mas não pode pagar. Percebeu que cada um quer uma coisa diferente? Isso é a jurisdição contenciosa, muito triste por sinal. Sempre que houver a presença dela tenha certeza de que alguém vai se dar mal no processo, merecidamente ou não. Vale lembrar que tanto na jurisdição contenciosa quanto voluntária o juiz DEVE ser imparcial. 

A jurisdição contenciosa acontece mais ou menos assim dentro do processo
Jurisdição Voluntária: Essa é totalmente diferente da jurisdição contenciosa. Aqui não tem lide, ou seja, autor e réu na jurisdição voluntária querem a mesma coisa. Além disso, não há partes no processo como tem na jurisdição contenciosa, mas sim interessados.  A jurisdição voluntária pode ser considerada, assim, como uma " Administração Pública de interesses privados" - José Frederico Marques. Podemos exemplificar isso através do ocorre na retificação de registro.

Na jurisdição voluntária todos são amigos! \o/

Posicionamento doutrinário acerca do fenômeno da jurisdição

Apesar de ser bastante simples o conceito, existem algumas diversificações por parte dos doutrinadores do processo civil, então é importante que você fique por dentro do posicionamento do que chamamos de correntes doutrinárias
Muitos autores consideram que a lide (a contenção, a briga de interesses) é um elemento fundamental para que exista a jurisdição. A implicação disso é que para essa corrente não existe jurisdição voluntária pelo fato dela não possuir lide, mas sim que ela seria uma mera função administrativa que foi entregue nas mãos do juiz. Já outros concordam que pode sim haver jurisdição sem lide, admitindo, por tanto, a existência da jurisdição voluntária. Já outros afirmam que a lide está exclusivamente no pedido do autor e não no processo como um todo. O fato de você pedir algo em detrimento de outro, mesmo que sem conflito de interesses, tem por consequência a jurisdição dentro da jurisdição voluntária... A doutrina majoritária é a que afirma que existe tanto jurisdição contenciosa quanto jurisdição voluntária.





Princípios da jurisdição


Primeiramente vale lembrar que não existe um rol uniforme de princípios da jurisdição. O que o doutrinador X chama de princípio o doutrinador Y chama de característica e assim por diante. Vejamos os princípios mais importantes: 

Princípio da investidura: Somente quem está investido regularmente no cargo de Juiz de Direito é quem pode jurisdicionar, simples assim. 
Princípio da Unidade: A jurisdição é una e indivisível, a manifestação da soberania do Estado-Juiz é a mesma em todo Brasil. A jurisdição que é realizada nos Tribunais do Norte do País é a mesma dos Tribunais do Sul e demais Regiões.
Princípio da aderência ao território: Esse princípio nos informa que a jurisdição brasileira é exercida apenas em território brasileiro. Assim, esse princípio estabelece limites territoriais em relação à jurisdição do Juiz que possui limitações não só entre Países mas também dentro do próprio Brasil (comarca, seções judiciárias e por ai vai). Assim, apesar da jurisdição ser UNA, seu exercício é distribuído entre os vários órgãos jurisdicionais, tribunais e juízes que ficam com uma parcela da jurisdição chamada competência. Juiz do trabalho julga ações trabalhistas, Juiz eleitoral julga processos eleitorais etc.
Princípio da inércia: Esse princípio nos ensina que quem tem a responsabilidade de iniciar o processo é o autor e não o juiz. O Art. 2º do CPC é claro que nem água potável (Art. 2º  Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais). A implicação disso na vida prática é que o processo não se inicia ex officio (de ofício) ou seja, sem requerimento do interessado em resolver algum problema. Existem alguns brocardos jurídicos a respeito da inércia, vejamos a título de curiosidade:
Nemo judex sine actore: Não há juiz sem autor;
Ne procedat iudex ex officio: Não proceda o Juiz de ofício.

Porém, como disse Millôr Fernandes, toda regra tem sua exceção. Uma das exceções, a título de exemplo, é o Art. 989 do mesmo CPC, vamos conferir?

Art. 989. O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal.
Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional: É uma garantia constitucional de acesso à justiça. Possui previsão em nossa Constituição Federal em seu Art. 5º, XXXV, vejamos:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
 Princípio da efetividade: Todos possuem o direito de terem uma resposta, no menos tempo possível, do judiciário em suas demandas processuais (tempestividade).
Princípio da indeclinabilidade: O juiz não pode declinar de sua responsabilidade de jurisdicionar. Ele não pode, por exemplo, deixar de julgar um determinado processo alegando que não há lei para isso. Você como bom estudante de IED sabe que a lei pode até ser a fonte principal do direito, mas não é a única (temos os costumes, jurisprudências, doutrinas, analogia e princípios gerais do direito)
Apesar do Juiz não poder deixar de julgar alegando não haver lei, é interessante lembrar que ele pode ser afastado da causa por impedimento ou suspeição. Pra entender o que é cada um vamos ler alguns artigos do CPC:

Impedimento:
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.
Suspeição:
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Princípio da indelegabilidade: Assim como acontece com as demais funções estatais, a jurisdição deve ser exercida APENAS pelo Juiz, ou seja, não pode ser delegada a outra pessoa que não seja ele.
Princípio da inevitabilidade: As partes não precisam aceitar a jurisdição porque o Estado a impõe a partir do momento em que é provocado.
Princípio do Juiz natural: É o Juiz previamente competente que possui atribuição legal para o exercício da jurisdição, cuja atribuição ocorre antes do fato a ser julgado obviamente para não afetar sua imparcialidade. A ocorrência da nomeação do Juiz após o fato p/ que ele julgue é permanentemente proibida configurando o juízo ou tribunal de exceção (Art. 5º CF - XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção).


Exercícios

(Juiz substituto- PR/ 2010 adaptada) A jurisdição como forma de poder estatal é una, mas o seu exercício é distribuído entre os vários órgãos jurisdicionais. A medida do exercício da jurisdição atribuída a cada órgão do poder judiciário chama-se competência.
Questão correta. Lembre-se que a Jurisdição é una e indivisível, o que se divide é o seu exercício! Até porque é impossível escolher apenas um Juiz pra julgar todos os casos do Brasil, logo a competência de julgamento é dividida entre todos eles
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(TRF – 3ª Região – 2011/ Juiz) Não é possível que oficial de justiça de comarca vizinha e contígua proceda à penhora e depósito de bem em comarca diferente da sua. Tal afirmação diz respeito ao princípio da jurisdição denominado

  a) territorialidade; 
Correto, cada um deve trabalhar em sua comarca ou seção judiciária. Trata-se do limite da competência da jurisdição. que não funciona só p/ o juiz mas para todos os servidores. Cada comarca tem seu(s) OJs justamente para isso.
  b) inevitabilidade;
Não tem nada a ver com comarca, inevitabilidade diz respeito a aplicação forçada da jurisdição por parte do Estado porque ele foi provocado e as partes não precisam aceitar essa aplicação.
  c) juiz natural;
Também não tem nexo com a questão. Juiz natural é o Juiz previamente competente que possui atribuição legal para o exercício da jurisdição, cuja atribuição ocorre antes do fato a ser julgado obviamente para não afetar sua imparcialidade. A questão nem de juiz falou.
  d) investidura;
Somente quem está investido regularmente no cargo de Juiz de Direito é quem pode jurisdicionar, simples assim. Vejam que essa questão apesar de ser para Juiz Federal não foi muito difícil.
  e) indelegabilidade
 Assim como acontece com as demais funções estatais, a jurisdição deve ser exercida APENAS pelo Juiz. O(a) candidato(a) poderia se confundir e pensar que o Oficial não pode delegar seu ofício pra outro, mas lembre-se que esse princípio versa sobre o Juiz e não Oficial de Justiça. 
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 (TRF – 3ª Região – 2010 – questão adaptada) Julgue o seguinte item:

  As expressões latinas “ne procedat judex ex officio” e “nemo judex sino actore” consagram o princípio dispositivo no processo civil e a inércia da jurisdição.
Item correto! Por incrível que pareça, o que eu citei no texto logo no começo por curiosidade foi o que caiu na prova de juiz federal em 2010, fique ligado(a) nos termos em latim! Lembrando que Uma vez dado início ao processo pela parte (jurisdição contenciosa) ou interessado (jurisdição voluntária) o processo irá se desenvolver por impulso oficial (262 CPC:  O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.)
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(FCC (2013) - TJ-PE - Juiz) Em relação à jurisdição e à competência, é correto afirmar que
a) a jurisdição tem por objetivo solucionar casos litigiosos, pois os não litigiosos são resolvidos administrativamente. 
Item errado. Lembre-se da jurisdição voluntária que não possui lide/litígio, possui apenas interessados nem partes ela possui. Para a doutrina majoritária a jurisdição voluntária é de responsabilidade do juiz. Até porque só o juiz pode exercer a jurisdição. Art. 1º A jurisdição civil, contenciosa e VOLUNTÁRIA, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.


b) a arbitragem é modo qualificado e específico de exercício da jurisdição por particulares escolhidos pelas partes.
Item errado. Art. 1º A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos JUÍZES. 
c) em nenhuma hipótese poderá o juiz exercer a jurisdição de ofício, sendo preciso a manifestação do interesse da parte nesse sentido.
Errado, lembre-se de uma das exceções que você leu aqui: Art. 989. O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal.
d) a jurisdição é deferida aos juízes e membros do Ministério Público em todo território nacional.
Item errado. Art. 1º A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos JUÍZES. 
e)a jurisdição é una e não fracionável; o que se reparte é a competência, que com a jurisdição não se confunde, por tratar, a competência, da capacidade de exercer poder outorgada pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.
Item correto, ele próprio se explica: A jurisdição não se divide, o que se divide é a competência p/ exercê-la.


2 comentários:

  1. Henrique o texto ficou ótimo, eu que nunca estudei TGP e Processo Civil compreendi o assunto através dessa explicação. Vc é fera, sucesso amigo.

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  2. Parabéns pela didática objetiva e esclarecedora! Compreendi em poucos minutos o tema.

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